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Poesia mínima

No exato Instante em que abro estas páginas por onde escolho caminhar, recebendo um convite irrecusável, decido permanecer na companhia do autor e me fazer cúmplice de suas palavras, seus gestos e as emoções que se somam umas às outras em poemas de rara beleza e singularidade.

No primeiro momento do livro, Paulo já indica com maestria que sua digital não marcará apenas sua chegada em cena, mas ela estará nas entradas e saídas de seus íntimos espaços, compartilhados com o leitor que, atento, se deixará levar nessa descoberta. Em dias de Cotidiano, aguardar pelo banho pode se transformar no mais belo momento do dia, do qual saímos sem saber se estamos diante de gotas ou de pessoas que passam por nós, diariamente, em movimentos similares, buscando pertencer a um universo qualquer.

Peço licença e continuo meu caminho. Busco Pontos por esclarecer e, surpreendentemente, me sinto em um jogo, no qual somos rendidos pelo amor e pelo desenho de um poema quase que inacabado... a espera nunca finaliza o tempo que está por vir. Chego a Desculpa... “pintura rupestre no meu coração de pedra”... só um poeta é capaz de descrever desse modo marcas de uma ausência, ainda presente, pulsante diante de mim. Em Plantio perdido, “um quase” rasga a lógica da concretude que não cabe na poesia; e eu, então, me pergunto, quase já sabendo a resposta: por que lemos poemas? O que nos faz buscar versos, desejá-los em nossa cabeceira, tornar a lê-los até que possam ser repetidos nas inúmeras declarações que fazemos ao mundo? O poema atrasa nossos passos para que o tempo se redobre, a leitura seja desprovida de pressa, a vida seja atravessada por afeto, a surpresa nos alcance, para que sejamos fisgados por palavras e objetos que vão muito além de seu significado e se transformam em significantes enlaçados pelo nosso inconsciente, exatamente como me senti aqui. Poetas nos são necessários, nos trazem pessoalidade ao permitir nossa interpretação para palavras universais. Essa condução que Paulo faz de seu mundo ao nosso está clara nos versos que, com uma profundidade impressionante, ele escreve. Está presente no texto que ele entrega para que outro venha nele habitar. Uma a uma, em uma fileira desavisada de pessoas, ali estão as que nunca sairão as mesmas depois desse encontro poético. E ...um novo café nos convoca esse olhar. Traz novamente resposta para a minha pergunta: por que lemos poemas? Como sem eles viver? “Qual poesia pode habitar uma xícara de café abandonada?” Para isso, lemos poemas... para que objetos e acontecimentos quaisquer nos encontrem e nos tragam a certeza de que a vida é melhor quando em escrita poética.

Escrita que aqui se inicia a partir de um cotidiano revelado em grãos diários, miúdos, para atingir uma vastidão existencial em que sentimentos e sensações descritas nos atingem visceralmente. Nosso corpo acompanha os poemas. Paulo alcança, em sua construção poética, a essência humana, nossa existência diante de uma imensidão que se abre, por vezes como abismo, diante de nós. Aqui, nestas páginas, nos deparamos, do começo ao fim, com algo que nos engrandece e nos tira do minúsculo lugar de itinerantes de uma vida breve para prolongá-la em arte.

Enquanto continuamos a percorrer esse universo, somos levados à inevitável tentativa de decifrar algum sentido de um Código Morse que encobre imagens na linguagem urbana repleta de gente; ao mesmo tempo, invoca nosso lugar solitário diante da ausência de uma escrita formal, carta lançada ao mar, frases escritas para o futuro. Assim me sinto diante da grandeza do autor, tendo que buscar em seus poemas a palavra escolhida que faz par entre o sujeito e sua existência, “nas entrelinhas”, versos que recobrem o enigma da vida, para onde e como ir, justificar a Insistência na qual “viver é ressoar e resistir, e também não ver o que já é ...”

Visito livros e pessoas em Itinerário, me divirto em Mácula, pensando em como somos tão iguais ao resolver dilemas quando andamos desapercebidos do ideal! Lista de compras, quero fazer a minha e me lançar ao interminável.

A maneira com a qual Paulo apresenta a banalidade das coisas que escapam na repetição que rouba o passar do dia é de uma sensibilidade impactante. Em Sem comparações, é inevitável o pensamento de que sempre haverá um ponto de encontro impossível. Ofício do poeta vem nomear o indizível de quem ocupa esse lugar desde sempre, com a facilidade de quem planta palavras para viver a Dor e aplacar a Saudade, ainda que a saiba infinita.

Temos aqui um nome próprio para um livro imenso que nos detém repleto de máximos, atentos a seu tempo e espaço: Poesia mínima – arrebatador do começo ao fim, do Instante ao Mínimos, mínimos esses presentes na identidade que se faz digital de uma poesia inesquecível! Leitura que transborda as páginas, ganha o mundo e retorna como um simples/complexo ato de respirar... ar essencial quando impregnado de tanta qualidade, de movimento e vida.

Juliana Marques Caldeira Borges


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